Reabilitação fisioterápica na cirurgia de Reconstrução do LCA
A fisioterapia deve ser iniciada sempre que possível logo após a lesão, previamente a cirurgia, para controlar os sintomas da fase inflamatória da lesão, diminuindo a dor e o inchaço, restaurando a amplitude de movimento articular e a capacidade de apoiar o membro. Além disso fisioterapia iniciada antes da cirurgia poderá favorecer a recuperação muscular após a cirurgia, diminuindo a chance de complicações como, por exemplo, rigidez articular, dor excessiva e trombose. A reabilitação após a cirurgia de reconstrução do LCA é determinante para o resultado final e o retorno as atividades prévias à lesão.
Por vezes no deparamos com pacientes em que a cirurgia foi bem realizada, porém pela falta de uma fisioterapia adequada e no momento certo o paciente desenvolve rigidez, intensa fraqueza com perda muscular e resultados clínicos e funcionais ruins. Em outras situações a fisioterapia feita de maneira inadequada pode colocar o novo ligamento reconstruído em risco, estressando excessivamente o enxerto do LCA o que pode levar ao afrouxamento com falha do enxerto. Exercícios de reabilitação são fundamentais e devem ser realizados no momento certo e da forma adequada, para que favoreçam o desenvolvimento muscular, restaurando a função do joelho e devolvendo a proteção ao ligamento reconstruído durante as atividades.
O primeiro mês de reabilitação após a cirurgia é um dos períodos mais importantes da reabilitação.
Dar o primeiro passo com o “pé direito” faz a diferença! O objetivo do primeiro mês é evitar a rigidez articular com o ganho da amplitude de movimento do joelho com ênfase na extensão completa (esticar até o final) do joelho e “acordar a musculatura adormecida”, evitando a atrofia muscular. Para atingir esse objetivo é fundamental o controle da dor e do inchaço no joelho nos primeiros 3-5 dias, fazendo uso de medicações analgésicas e realizando bolsa de gelo no joelho por 15 minutos a cada 2-3 horas. Deve-se manter o joelho em extensão durante o repouso para evitar a instalação de contraturas musculares na parte de trás do joelho, que pioram a dor e que depois limitam a extensão do joelho. Portanto, em repouso não deve ser colocado travesseiro em baixo do joelho. Manter o membro mais elevado e realizar a movimentação ativa do tornozelo e do pé para contrair e relaxar a musculatura da panturrilha é importante para estimular a circulação na perna, evitar a ocorrência de trombose, ajudar a desinchar o joelho e melhorar a dor.
A fisioterapia deve ser iniciada na primeira semana da cirurgia, inicialmente com o foco de aliviar as dores, controlar o inchaço e a inflamação, favorecer o ganho de movimento do joelho e despertar a musculatura do quadríceps. Para tal finalidade o fisioterapeuta poderá realizar a liberação de músculos contraturados, uso de botas pneumáticas que reduzem o edema e aceleram a recuperação, eletroestimulação para auxiliar na ativação e contração muscular do quadríceps, exercícios isométricos e de ganho de movimento do joelho, entre outros. O objetivo é conseguir uma flexão do joelho de 90 graus com 2 semanas e extensão completa até 3- 4 semanas. Com 3 semanas pode ser iniciado a realização de bicicleta estacionária e com 4 semanas adicionado ½Kg de carga aos exercícios isométricos.
Uso de medicações
A prevenção de infecção é realizada com o uso de antibióticos no dia da cirurgia e no dia seguinte da cirurgia. Realizada a antibioticoterapia profilática não é necessário tomar mais antibióticos em casa durante a semana, somente em casos em que houver evolução para uma infecção e um antibiótico específico será necessário. A infecção na cirurgia de reconstrução do LCA é algo raro, menos de 1 %, uma vez que a articulação é lavada continuamente com soro fisiológico durante o procedimento artroscópico.
O tratamento da dor é importante e para isso serão prescritos analgésicos leves simples (dipirona e paracetamol) e em caso de dor forte o uso de analgésicos mais potentes opióides como o Tramaldol e a Codeína.
Relaxantes musculares também podem aliviar as dores e relaxar músculos que tendem a se contraturar pela dor.
Anti-inflamatórios são evitados, pois podem atrapalhar o processo de cicatrização do ligamento reconstruído (processo de ligamentização) e afetar negativamente a cicatrização do menisco em caso de uma sutura meniscal.
Ferida operatória e curativo
O joelho operado é enfaixado, esse curativo poderá ser trocado antes da alta se estiver sujo com sangue, mas geralmente é mantido fechado por ser estéril e para evitar o contato da ferida operatória com bactérias do hospital. O enfaixamento por cima poderá ser retirado em casa para facilitar a realização do gelo e o curativo de baixo poderá ser mantido e trocado no retorno no consultório médico cerca de 5-7 dias após a cirurgia. Se o curativo de baixo for impermeável poderá ser molhado durante o banho. Os pontos são retirados com cerca de 2 semanas da cirurgia.
É normal nos primeiros 3-5 dias o joelho inchar um pouco e as vezes poderá ficar com uma leve vermelhidão e calor local, pois existe uma atividade inflamatória resultante da cirurgia no local da retirada do enxerto e da realização de tuneis ósseos no fêmur e na tíbia. A bolsa de gelo realizada por 15 minutos a cada 2-3 horas, com o cuidado de não queimar a pele, ajuda muito a controlar esse processo inflamatório inicial. Devemos ficar atento a alguns sinais de alarme como dor forte e inchaço na panturrilha, calor excessivo com piora da dor, do edema e da vermelhidão no joelho, febre com temperatura acima de 37,7 graus e saída de secreção amarelada da ferida operatória. Diante desses sinais você deve entrar em contato com seu médico imediatamente.
Início da deambulação, tempo de muletas e voltar a dirigir
Conforme a melhora da dor e tolerado pelo paciente, poderá iniciar a deambulação com o auxílio de muletas e apoiando de forma leve o membro operado no chão, de preferência assistido pelo fisioterapeuta. Em média os pacientes conseguem “largar” das muletas e deambular sem muletas com 3 semanas da cirurgia, esse tempo pode variar dependendo da condição muscular e da subjetividade da dor de cada indivíduo. A partir do momento que conseguem deambular bem sem muletas, já é possível conseguirem dirigir sem grandes riscos, isso acontece por volta de 4 semanas. O tratamento de outras lesões associadas, principalmente meniscais, condrais e de outros ligamentos, concomitantes a reconstrução do LCA podem modificar o processo de reabilitação.
2-3 meses
Nesse período o objetivo é iniciar a recuperação muscular, apurar a marcha e estimular a coordenação e a propriocepção. São mantidos a eletroterapia e a bicicleta iniciadas no primeiro mês e realizados exercícios com carga leve e progressiva para fortalecer os principais grupos musculares do membro inferior e que protegem o joelho, incluindo os glúteos, músculos do CORE, quadríceps, posteriores da coxa e gastrocnêmios. Existe uma preocupação em não estressar excessivamente o enxerto do LCA que está em fase de incorporação nas primeiras 6-12 semanas. São seguros exercícios de isometria contra resistência e com cargas leves, a esteira com caminhada em linha reta, exercício de cadeia cinética fechada (mini agachamentos até 90 graus, elíptico, bicicleta e step) e determinados exercícios de equilíbrio e propriocepção.
A progressão para exercícios de maior carga e complexidade não se dá apenas pela cronologia e tempo decorrido da cirurgia, mas também por atingir critérios objetivos de recuperação muscular e da percepção de dificuldade de cada indivíduo. A evolução é individual e depende do nível de atividade prévia e da condição muscular antes da cirurgia.
4-5 meses
Nesse período o objetivo é incentivar o ganho muscular e a propriocepção, iniciar as atividades em academia de ginástica com exercícios de cadeia cinética fechada (bicicleta, “leg press”, mesa flexora, “stepper”, agachamentos). É comum no quarto mês ainda existir cerca de 30-40 % de déficit de força do quadríceps em relação ao lado contralateral normal. Ao intensificar as atividades de carga é possível surgir um desconforto na parte anterior do joelho, principalmente no local da retirada do enxerto do tendão patelar. Essa dor anterior está associada a fraqueza do quadríceps e do complexo posterolateral do quadril (glúteos e rotadores externos do quadril). A dor anterior do joelho costuma desaparecer conforme o atleta ganha musculatura, melhora a sua postura e a capacidade de absorver o impacto. A partir do 5 mês é possível iniciar corrida em linha reta (esteira e após em pista) e iniciar exercícios de impacto.
6-9 meses
Além do aumento de carga dos exercícios de fortalecimento iniciado nos meses anteriores, são introduzidos exercícios específicos do gesto esportivo sem competição. A intensidade e velocidade da corrida aumentam e conforme o paciente se sente confortável são iniciados exercícios de aceleração e desaceleração e exercícios mudança de direção. É intensificado o grau de dificuldade dos exercícios proprioceptivos, lapidando o indivíduo para adquirir um padrão mais correto de movimento na execução dos movimentos esportivos mais complexos. O treino de potência são intensificados e realizados exercícios pliométricos passando de apoio bipodal para unipodal (por exemplo saltos com as duas pernas progredindo para saltos com uma perna). Também são realizados exercícios visando a resistência e recuperação plena da capacidade aeróbica. O objetivo é aos nove meses conseguir igualar a musculatura das duas pernas com uma diferença mínima de apenas 10-15% de força entre o membro inferior operado e o normal e um bom equilíbrio de forças no joelho operado entre a musculatura extensora (quadríceps) e flexores (posteriores da coxa). Além da recuperação muscular é importante que o individuo consiga executar os movimentos de saltos, mudança de direção de forma bastante semelhante nos dois membros, com uma boa postura e um bom padrão de movimento para não sobrecarregar o joelho operado ou o outro joelho normal. Existe uma preocupação grande em retornar o indivíduo ao esporte com a menor chance de novas lesões, portanto, é importante que os critérios de retorno ao esporte sejam contemplados.
Postergar o retorno ao esporte do sexto para o nono mês diminui a chance de uma nova lesão (cerca de 50% por mês).